Na Lapa, tristeza sem fado
Sonia Regina
Disseram que está em paz e o dia vai bem. A tarde segue a reboque da manhã. A angústia à frente do esquecimento, destronando a atenção do que sabe de cor. Os desenhos que omite, não volta para cortá-los.
Segue num tempo dado de graça; não há pedágio nesse trecho da estrada em que caminham de mãos dadas o criador e a criatura, o algoz e a vítima, a vida que se candidata e a morte que pericia. Não sabe do veto ou da concessão no instante em que se esquece de todo o conhecimento para testar a habilidade específica. Médio é resultado incompatível com o exercício e não diferencia a ansiedade depressiva da hipomania. Papéis, carimbos e assinaturas nada dizem da lembrança que expulsa o sono e explode a dor no travesseiro.
"Talvez devessem cercar os leitos com almofadas que fossem barricadas eficazes contra o frio de inverno", pensa. "No meu país não há à venda alfinetes de segurança para prender as cobertas nem internet nos computadores da biblioteca municipal, não há comboios às sete que levem o amor em campanha pelos trilhos."
Nem fiambre há, no seu país. Carrega outro nome, em letras esparsas. Carrega Portugal que, para além do oceano de palavras, avança pelo Atlântico: ilha, foto e voto do amigo morto.
A escritura pára e bloqueia o anonimato. Citações sem aspas perdem-se. Arrefece a força do texto que não se presta a enxugamentos e cresce, na proporção direta de um dia que se completa como um reservatório que enche sem válvula de escape. Escreveu sobre o esquecimento e escapuliu, o seu poema. Talvez uma distração o tenha soltado da página, embora nenhuma a faça esquecer aniversários que se comemoram nos últimos dias de cada mês.
Na Lapa, dança triste a história do Portugal vindo e ido, que ainda brilha amarela nos sobrados coloniais restaurados. Mas neles não há fado: é o samba que invade a rua, passarela de pessoas sem rumo certo.
Sonia Regina
Disseram que está em paz e o dia vai bem. A tarde segue a reboque da manhã. A angústia à frente do esquecimento, destronando a atenção do que sabe de cor. Os desenhos que omite, não volta para cortá-los.
Segue num tempo dado de graça; não há pedágio nesse trecho da estrada em que caminham de mãos dadas o criador e a criatura, o algoz e a vítima, a vida que se candidata e a morte que pericia. Não sabe do veto ou da concessão no instante em que se esquece de todo o conhecimento para testar a habilidade específica. Médio é resultado incompatível com o exercício e não diferencia a ansiedade depressiva da hipomania. Papéis, carimbos e assinaturas nada dizem da lembrança que expulsa o sono e explode a dor no travesseiro.
"Talvez devessem cercar os leitos com almofadas que fossem barricadas eficazes contra o frio de inverno", pensa. "No meu país não há à venda alfinetes de segurança para prender as cobertas nem internet nos computadores da biblioteca municipal, não há comboios às sete que levem o amor em campanha pelos trilhos."
Nem fiambre há, no seu país. Carrega outro nome, em letras esparsas. Carrega Portugal que, para além do oceano de palavras, avança pelo Atlântico: ilha, foto e voto do amigo morto.
A escritura pára e bloqueia o anonimato. Citações sem aspas perdem-se. Arrefece a força do texto que não se presta a enxugamentos e cresce, na proporção direta de um dia que se completa como um reservatório que enche sem válvula de escape. Escreveu sobre o esquecimento e escapuliu, o seu poema. Talvez uma distração o tenha soltado da página, embora nenhuma a faça esquecer aniversários que se comemoram nos últimos dias de cada mês.
Na Lapa, dança triste a história do Portugal vindo e ido, que ainda brilha amarela nos sobrados coloniais restaurados. Mas neles não há fado: é o samba que invade a rua, passarela de pessoas sem rumo certo.