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Mulher, simplesmente mulher: humana - Sonia Regina

Mulher, simplesmente mulher: humana

Sonia Regina




"Trizas”, em espanhol. Em português estilhaços, des-pedaços. Talvez como saudade.

Saudade da saudade. Saudade de tudo o que foi e já não é; do que poderia ser, e não se tem garantia de que efetivamente será. Partes, um todo em cada, pedaços reunidos de - e com - amor. Mulher, simplesmente mulher - humana.


Mulher - não somente expectante, e também. Não somente corajosa, e também. Não somente alegre, e também. Não somente segura, e também. Não somente sã, e também. Não somente lúcida, e também. Dividida e inteira, tudo e nada, amor. É o que lhe resta inteiro, é a chama que lhe alimenta a vida. O amor, em qualquer de suas manifestações.

Ser amada lhe é fundamental, e mais precisa quando menos parece merecer ou demonstra querer, ou admite necessitar. De natureza simples, é complexa, e não carece ser decifrada. Toda mulher é um enigma que persiste. Mítica, à mulher-enigma há que apreciar, valorizar, querer, amar - aceitar. Como uma oferenda que faz de si.

O eu-mulher ressurge a cada dia, com o crepúsculo. O sol brilha em si, seu movimento é água, ela é vento. Mas se tem a cabeça nas nuvens, os pés estão no chão. Árvore frondosa e acolhedora, preza suas raízes. Gosta de se deixar levar ao sabor do vento, e sabe voar. Enfrenta ventanias e cria abrigos seguros para poder saboreá-las. E se não tem medo das intempéries e o fustigar do vento a fascina, recolhe-se assustada ante uma brisa que vacile emprestar-lhe seu sopro.

Seu vôo não é aleatório, ou alheio. Tem direção e rumo certo. E se lhe custa desviá-lo, ainda assim pode fazê-lo. Gosta de ver as folhas das palmeiras que dançam ao vento. Gosta de ver as rosas que se abrem ao beijo sôfrego - intenso, longo e amoroso carinho -, porém fugaz, do beija-flor. A música a sensibiliza. Mas isso não lhe basta, pois não só contempla, busca a ação. Ousa mais. Ousa, e não gosta de necessitar.

Às vezes teimosa, prefere dizer-se obstinada. Gosta de plantar e é jardineira por excelência. Abraça filhos e desafios, algumas se fascinam por causas dadas como perdidas. Seus abraços são abraços-jibóia: abraços apertados, envolventes. Envolve-se, também. É assim que aprende, essa aprendiz eterna e convicta. Recebe de bom grado o que lhe é dado espontaneamente e, feliz, retribui.

Independente e esperta cultiva certa argúcia, talvez por instinto de defesa. Essa característica lhe dá um tom altivo, elegante e imperial, que encanta mesmo os poderosos (vide Cleópatra). Uma auto-estima elevada a faz suportar certas privações e abominar outras.

Adaptável, sobrevive e se mantém em circunstâncias as mais adversas. Há bravura suficiente para resistir mesmo em situações nas quais outros desistiriam. É de pasmar - e um tanto difícil conceber - a extrema tolerância, fidelidade e lealdade. Entretanto, não suporta indiferença. Talvez seja o único momento em que se esgueira suavemente e, como as jibóias, foge. Busca uma brecha e se retira – simplesmente -, mantendo sua altivez. É quando a perdem, pois não tolera isolamento, e fenece.

Ser des-pedaçado e inteiro, que significa e re-significa: é o que é uma mulher. Simplesmente. Complexamente. Vive e crê que é o amor o que existe em nós, humanos, a arder e manter o fogo da vida. Assim lhe foi revelado e é o que ensina aos filhos: a vida não é um presente que se oferece, há que merecê-la, sempre construindo e trocando, por vezes tomando, arrebatando; por vezes recebendo, esperando. Unindo, deitando fora, aceitando, recusando. Deixando para trás o medo de fantasmas que aprisionam; fluindo.

"Sê inteiro, porque assim poderás estar uno com a unidade das coisas", diz o poeta zen. No leste ou oeste, norte ou sul brilha o mesmo sol: há que pôr mãos-à-obra, pois o crepúsculo anuncia sua última paixão.

[ Pelo Dia Internacional da Mulher, 2003]

 

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©2010 Sonia Regina