online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: A hora do vôo - Sonia Regina

A hora do vôo - Sonia Regina

A hora do vôo

Sonia Regina




Abrira o correio: nada de novo. “Devia viver sem esperar. Esperar gera expectativa, o que é ruim”, pensou.

Saiu. Levou Boris e foi perambulando até a Praia da Ponta da Areia. Sentou-se num banco, quando viu as garças. Deitado a seus pés, o cãozinho realizava o que havia de lealdade.

Tentava pôr ordem nos sentidos, embaralhados com pensamentos avulsos que a povoavam desde a véspera, em sonhos e devaneios. Freud dizia que as imagens dos sonhos são, na verdade, estanques. São cenas separadas como as que são vistas da janela de um trem em movimento, sendo o enredo construído por nós.

Há muito não sonhava acordada. Recolhia cada uma das imagens que a inundavam, tentando deixá-las fluir. Capturadas e costuradas na mente, retalhos numa escrita de parágrafos disjuntos, sem enredo possível, aprisionavam.

Lembranças emudecidas e sonhos decepados paralisam ações na ausência da cor. E o tempo estivera parado, naquela tarde cinzenta: os pássaros não cantaram, nenhum barulho veio dos vizinhos, o cigarro esperou o café que não se fez. Sem hostilidades, o mundo se mostrava incerto. Tudo parecia estar de sobreaviso.

O vôo repentino de uma garça sacudiu-a, assinalando ter chegado o momento. Era imperioso voar.

 

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©2010 Sonia Regina