online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: Buscando restos de triunfo - Sonia Regina

Buscando restos de triunfo - Sonia Regina

Buscando restos de triunfo

Sonia Regina




- “Aqui todas as ruas vão dar no mar”, disse o senhor do Café com voz pausada, informando-me do que tanto se orgulhava. Eu suspeitava, o país era praticamente uma península.

- “Não é o mar que eu procuro”.

- “Estou vendo. Seus braços não dão conta do papelório que carrega”. Sua expressão divertida me interrogava.

- “Não sou turista, viajo a trabalho. Venho em busca do passado...”, pensei alto. E senti-me constrangido com a frase cheia de irrealidade que deixara escapar. Tentei consertar: “há qualquer coisa pouco clara na história do seu país.”

- “Há muita coisa pouco clara neste país. No presente. Por que investigar o passado?”

- ... (ele ouvira meu aparente despropósito, e muito bem. Nada respondi. O que lhe dizer?)

- Em que trabalha?”


- “Sou historiador”.

- “Aqui houve muitos reis, muitas tramas, muitos povos ocuparam estas terras. Mas o aprendizado foi pouco, ou perdeu-se. E estamos como estamos.”

Fiquei impactado com a sua clareza e objetividade. Sim, eu questionava a função social da minha profissão, era inclusive assunto de muitos debates com meus alunos. Mas era importante a História, pois organizava e documentava a memória.

Havia momentos, contudo, que eu mesmo me interrogava acerca do sentido de amealhar esse conhecimento, se havia uma lacuna em sua funcionalidade. Não ia muito adiante, todavia, pois já estava numa altura em que minha diretriz de vida estava traçada – e por mim. Não começaria uma nova jornada profissional.

Chegara há dias a esse país de lembranças reais e inventadas. Professor da universidade, funcionário do museu histórico, eu viajava a trabalho. Vinha em busca de documentos e elos possivelmente registrados somente na memória viva daqueles que descendiam dos que haviam ido ao mar, centenas de anos antes.

Tinha decorado aquela frase anônima endereçada a mim, no museu. Fora escrita a caneta no verso de uma página do capítulo 45, arrancada do livro “El Péndulo de Foucault”, de Humberto Eco. Dizia: “Cristóvão Colombo chamava-se originalmente Salvador Fernandes Zarco. Era espião do rei de Portugal e a viagem à América em 1492 foi uma trama combinada por eles para que, em 1500, Portugal pudesse enviar seus navios para “achar” e se apropriar do Brasil sem interferências da Espanha, que estaria então já sem dinheiro e ocupada com a América“. A página escrita por Humberto Eco dizia: “Cristóbal Colón era un judio portugués...”.

Estivera nos Estados Unidos em contato com um historiador americano de Bristol, Rhode Island, que havia feito um colossal descobrimento no Vaticano: nada menos que duas Bulas Papais, do ano de 1493, escritas em latim, se referem ao descobridor com o nome português, e não com o suposto nome genovês de Christoforo Colombo, nem o latinizado Columbus.

E agora estava eu ali, munido de documentos e várias indicações, buscando descendentes de Zarco. Escolhera aquela cidadezinha pacata à beira-mar, para encontrar um dos fios da meada. Havia várias referências a ela, em minhas pesquisas.

* * *

Na rua curta e estreita, de qualquer ponto via-se o mar. O sol - muito quente em qualquer estação - tomava-a por inteiro; paralelepípedos cobriam o chão que certamente fora de terra batida.


Os muros mal caiados mostravam ter tido aumentadas, as suas alturas: maior privacidade, menor visão. Das varandas das pequenas casas provavelmente nada mais se via senão os telhados vizinhos. E as flores que se aprontavam – lindas - nas trepadeiras, querendo alcançá-los.

O único movimento vinha da aragem na copa das árvores. Nenhum animal, nenhuma criança, nenhum som. Percebia ter havido uma passagem de pedestres no final da rua, num trecho que provavelmente fora um terreno baldio. Em seu lugar uma casa que dava novo status à rua - agora sem saída - quase privada.

Com o olhar atento e um ar cordial, movia-me lentamente à cata de um número e, provavelmente, de alguns restos de triunfo.

 

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©2010 Sonia Regina