Minha única verdade era a ausência de cor intensa. Eu vivia, entre os pousos, longos instantes. Impulsos débeis em seu esqueleto frágil faziam-me vibrar. Por vezes abruptamente, como agora.
Dúnia não havia esquecido como se voava. Sabia que não tinha as asas cortadas, mas receava o dano de formulações autocomplacentes derivadas de certas metáforas desnecessárias.
Nesses momentos transitava em situação de igualdade com os que inventavam jardins entre as sílabas. Deixava de ser sua própria lâmpada de serenidade.
Muito quieta, ruminava cargas de energia das quais não se desvencilhara. Amontoadas e retidas, haviam explodido as ternuras. Ao expelir as violências o vazio grassara, consumindo até o tédio.
O espanto não mais lhe bastava, queria cumprir a contemplação de outra maneira – tátil, talvez. Como São Tomé andava precisando tocar a realidade, fosse qual fosse.
O chão imundo e a poeira das ruas eram a crueza visual da cidade. Pessoas dormiam nas calçadas em farrapos e a natureza acontecia ao lado: solene e impassível, ante a degradação.
Sabia que jamais ofegaria com a tensão da relva sob os pés e sua alma nunca seria fotografada. A terra tem o dom do acolhimento: avançaria e respiraria, sem que a perturbassem o pó da estrada ou as rajadas de vento.
A paisagem desértica transformara-se num oásis urbano. Adiante, sabia, estava o mar.
Descalça, caminhou com direção e sentido.
Jogou o passado para trás das costas e fechou-me: eu, um intervalo brusco.
Sonia Regina
04122010- reescrito em 12032012