online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: Retomando quereres

Retomando quereres

Os pulsos, esbranquiçados nas dobras magras, tinham sede. A pele, desidratada nas mãos e manchada nos braços, indicava maus tratos e estresse.
Enfim, descera pelo elevador. Instantes que lhe pareceram uma eternidade, durante os quais repetira: “eu quero, eu posso, eu faço”. Baixinho, como convinha - mas não sem pavor.
Tocou sua face áspera e não se reconheceu. Há tempos não se mirava nem no espelho. Olhou a rua, os cruzamentos, as pernas das pessoas. Não via os rostos, sentada no banco da praça.
O sol, inundando tudo, podia contemplar. E sentir. Respirava compassada e profundamente.
O exato meio do dia sempre a fascinara: “hora mágica”, dizia. Desejou acreditar que ainda fosse.
Lembrou-se de um exato meio da noite: estava também em uma praça, quando o relógio marcou “00.00.00”.  Nostalgia.
Levantou-se, sentou-se novamente. Estava inquieta.
Ao pegar o jornal embaixo da bolsa, repreendeu-se intimamente: como não vira que estava surrada?
Cobrara-se muito. Aprendera a viver sob pressão, as ações em razão das necessidades – sempre pronta a atender o que fosse preciso. “Primeiro a obrigação, depois a devoção”, falava. Mas a hora da devoção tardara.
“Quero outra bolsa”. Surpreendeu-se com o próprio pensamento: desconhecia aquele querer afoito que a tomava. Já distante dos momentos em que somente sabia dizer do que não queria, Celina também colocava para trás dos ombros as precisões. E retomava quereres.


Sonia Regina
23.4.10

 

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