Magnânima ou culpada?
Sonia Regina
- “Agora é que ela vai ficar liberta, mesmo”, pronunciou em sentença final aquela que não julgava a não ser com o coração. Sorria, ao ler no jornal a crônica do fato que conhecera tão de perto.
* * *
Saindo de viagem, Talita não levara na bagagem idéia alguma para a crônica. Teria que remetê-la ao jornal dentro de 3 dias e isso a preocupava. Contudo, estava contente. Fizera uma boa ação sem nem pensar que assim seria, e gostava de ser solidária.
No dia seguinte da chegada à casa de praia, debruçara-se sobre o laptop. Nada vinha, nenhum fato era relevante ou de interesse senão para seu olhar, deliciado com o vôo dos pássaros e o banho de piscina do bem-te-vi. Os pimentões abusavam do verde que brilhava mais que o amarelo que clareava tudo, a lagoa cinzenta exibia o dorso azul, no horizonte. Tudo tão colorido e, entretanto, isso também não servia para iniciar crônica alguma.
Seu olhar passeava pela tela em branco, quando tocou o telefone. Respirou aliviada por poder se afastar dali. Sentia-se traída pelas palavras, quando lhe escapuliam as idéias. E não gostava de ser injusta: palavras são fiéis e leais ao escritor.
Era o irmão, avisando que rasgara o cheque que havia dado para a diarista. A cunhada sacaria do banco e lhe daria em espécie. Sugerira: “quando é assim, nós descontamos e damos em dinheiro, ela não tem tempo de ir ao banco, tampouco a filha.”
Estranhou. A diarista assim pedira para não perder a chance de levar um montante que serviria para pagar a mensalidade da faculdade – já atrasada – da filha. Arrepiada, emocionada e grata, dissera que a filha descontaria o cheque, quando fosse efetuar o pagamento. Talita não podia supor que a antecipação das diárias fosse causar tanta emoção.
Fora magnânima, sem querer. E agora, também sem querer, tornara-se ré: culpada. “Situação insólita”, pensou ainda atônita. Boa para uma crônica.
* * *
A tela do seu laptop encheu-se das letras que saltavam do teclado. As palavras borbulhavam, leais e libertas. Vindas do coração, não da mente.
Sonia Regina
- “Agora é que ela vai ficar liberta, mesmo”, pronunciou em sentença final aquela que não julgava a não ser com o coração. Sorria, ao ler no jornal a crônica do fato que conhecera tão de perto.
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Saindo de viagem, Talita não levara na bagagem idéia alguma para a crônica. Teria que remetê-la ao jornal dentro de 3 dias e isso a preocupava. Contudo, estava contente. Fizera uma boa ação sem nem pensar que assim seria, e gostava de ser solidária.
No dia seguinte da chegada à casa de praia, debruçara-se sobre o laptop. Nada vinha, nenhum fato era relevante ou de interesse senão para seu olhar, deliciado com o vôo dos pássaros e o banho de piscina do bem-te-vi. Os pimentões abusavam do verde que brilhava mais que o amarelo que clareava tudo, a lagoa cinzenta exibia o dorso azul, no horizonte. Tudo tão colorido e, entretanto, isso também não servia para iniciar crônica alguma.
Seu olhar passeava pela tela em branco, quando tocou o telefone. Respirou aliviada por poder se afastar dali. Sentia-se traída pelas palavras, quando lhe escapuliam as idéias. E não gostava de ser injusta: palavras são fiéis e leais ao escritor.
Era o irmão, avisando que rasgara o cheque que havia dado para a diarista. A cunhada sacaria do banco e lhe daria em espécie. Sugerira: “quando é assim, nós descontamos e damos em dinheiro, ela não tem tempo de ir ao banco, tampouco a filha.”
Estranhou. A diarista assim pedira para não perder a chance de levar um montante que serviria para pagar a mensalidade da faculdade – já atrasada – da filha. Arrepiada, emocionada e grata, dissera que a filha descontaria o cheque, quando fosse efetuar o pagamento. Talita não podia supor que a antecipação das diárias fosse causar tanta emoção.
Fora magnânima, sem querer. E agora, também sem querer, tornara-se ré: culpada. “Situação insólita”, pensou ainda atônita. Boa para uma crônica.
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A tela do seu laptop encheu-se das letras que saltavam do teclado. As palavras borbulhavam, leais e libertas. Vindas do coração, não da mente.