Anfitriões wabi-sabi
Sonia Regina
Todos têm um chão, ora continente vasto, ora pinguela estreita.
No meu fez-se uma abertura e o abismo ocupou-o, largo e senhor. A antiga fidelidade à alegria e ao contentamento aquietou-se e adelgaçou-se o quanto pode, ficando latente para não fenecer. O abismo nada percebeu: ganhou espaço, reinou absoluto na aridez – uma falsa mentira - por um bom tempo.
Mas as coisas e as pessoas são regidas por uma lei antiga, diz o milenar I Ching: a lei das mutações. E num dia do solstício de inverno fui convidada para tomar um chá.
Sensibiliza-me a atenção ao simples e, como numa cerimônia do chá, deixei as palavras à porta da casa, junto com as vestes e as sandálias. Levei somente a nudez do meu coração para que, em gestos alongados, abraçasse os deles.
Despida do pânico ingênuo da imortalidade, do quase covarde medo de ter o fígado devorado como Prometeu - estando viva sem ti à noite, quando a febre do avesso toca meus dedos -, sorvi as três xícaras que me serviram os anfitriões e recebi no íntimo o wabi-sabi acolhimento: simples e refinado.
À ternura daquelas mãos e olhares compareceu a água que ainda restava guardada em meus olhos. Foi a rega precisa para que minha antiga fidelidade à alegria e ao contentamento recomeçasse a brotar.
Sonia Regina
Todos têm um chão, ora continente vasto, ora pinguela estreita.
No meu fez-se uma abertura e o abismo ocupou-o, largo e senhor. A antiga fidelidade à alegria e ao contentamento aquietou-se e adelgaçou-se o quanto pode, ficando latente para não fenecer. O abismo nada percebeu: ganhou espaço, reinou absoluto na aridez – uma falsa mentira - por um bom tempo.
Mas as coisas e as pessoas são regidas por uma lei antiga, diz o milenar I Ching: a lei das mutações. E num dia do solstício de inverno fui convidada para tomar um chá.
Sensibiliza-me a atenção ao simples e, como numa cerimônia do chá, deixei as palavras à porta da casa, junto com as vestes e as sandálias. Levei somente a nudez do meu coração para que, em gestos alongados, abraçasse os deles.
Despida do pânico ingênuo da imortalidade, do quase covarde medo de ter o fígado devorado como Prometeu - estando viva sem ti à noite, quando a febre do avesso toca meus dedos -, sorvi as três xícaras que me serviram os anfitriões e recebi no íntimo o wabi-sabi acolhimento: simples e refinado.
À ternura daquelas mãos e olhares compareceu a água que ainda restava guardada em meus olhos. Foi a rega precisa para que minha antiga fidelidade à alegria e ao contentamento recomeçasse a brotar.