online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: Do estado de trevas

Do estado de trevas

Estivera agradecendo, nos últimos anos.

Foram tantos os murros da vida que estar de pé parecia além da compreensão, da teimosia mais renitente, da obstinação - contrariava qualquer hipótese cabível nesse mundão de meu Deus. Por isso agradecia: acreditava tratar-se de algo divino.

Agradecia a tudo e a todos, quase se desculpava por ainda existir.

Deixa estar que se enfiava num clima morno e confundia sua substância, entregando-a ao escuro absoluto do caos interno. Desordenado, o vigor assemelhava-se ao alimento restrito voltado para a própria fome. O espaço diminuía, o tempo avançava célere. 

Sem palavras para promover reinvenções, a voz calara, a irreverência adormecera.  O corpo sofrido, a mente anuviada, os sentimentos espalhavam-se no obscuro. Tudo era turvo. Toldadas as sensações, a inteligência enfraquecia. Colocara-se em estado de trevas.

Terminou por dar abrigo a alguns demônios nada gratos com a acolhida (como é de seu feitio), alheios às circunstâncias. A substância noturna povoava o espaço e o tempo parava a cada meia-noite como se fosse inaugurar, enfim, a luz. Mas nada acontecia. A densidade aumentava, a respiração tornava-se difícil. Deserta e em penumbra espremia-se, numa alta compressão. Tudo era opaco naquele universo que, entretanto, já ia longe do espelho.

Não estéril, a matéria possuía memória e os elétrons giravam, embora lentamente. O fogo interior atravessou o esquecimento e os demônios arderam.

A explosão trouxe lembranças da forma, confirmadas pelo olhar. Palavras vinham da sombra, como frutos que se ofereciam à primeira mordida. Olhar, falar, fazer. Urgia arregaçar as mangas, meter as mãos na tina. E com elas agradecer.


 
Sonia Regina
22072011


 

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©2010 Sonia Regina