online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: Sonhos

Sonhos

Sonhos [o momento lírico]

Acordei com uma sensação de inquietude e muito calor. Olhei à volta e não reconheci o lugar. O céu era vermelho, as rochas pareciam brasa. Lembrei-me de uma combustão. Vozes longínquas me chamavam para a paisagem. 
Dormi rupturas e acordei inteiro. Só, nu, defronte ao oceano. Nele mergulhei meu desassossego, com imponderáveis. E leve e livre eu o deixei, redimido e resgatado de mim.
Fiz com a alegria um sonho feliz. Tudo eu envolvi, como a pausa de uma canção. Saí sem me despedir, tornado bruma.
Dissolvendo os limites do romance, no encontro desvelei fronteiras: eu, um momento lírico.


Sonia Regina
23112010





Sonhos [o mistério em seis atos]
Sonia Regina

Ouço os estrondos do vulcão. Após cada erupção sangro pelos poros da terra, rompo as matas e cubro estradas de cinzas e névoa.
Trabalho na disrupção dos congelados padrões de percepção e faço os sentidos saltarem, voando para além do que foi discurso. Uma revolucionária reorganização do cotidiano.
Quente, evaporo. Condenso, chovo. Lavro inférteis terras em busca da essência quase ausente.
No casulo preparo as asas amarelas da borboleta. Tenho guardados vários e caprichados vôos. Alimento-me na folha perene da árvore da vida e me preparo para colher o mesmo ar puro dos corpos ligeiros.
Minha disposição é forte, explícita profissão de poética. Talvez eu seja o exemplar único de um instante efêmero decorrente da inspiração. Removo ordenações, propicio a fala do sensível e a dança do despertar.
Sem ruminar metas, aspiro subtrair-me à causalidade. O chão corre devagar e não hesito entregar-me ao suave deslizar.
Sou o mistério.

Sonia Regina
27112010




Sonhos [um intervalo brusco]


Sua única verdade era a ausência de cor intensa. Vivia, entre os pousos, fugazes instantes. Impulsos débeis oneravam seu esqueleto frágil que vibrava na paisagem desértica em busca de um oásis urbano.
Não havia esquecido como se voava, sabia que não tinha as asas cortadas – mas receava as formulações autocomplacentes derivadas de certas metáforas.
Transitava em situação de igualdade com os que não possuíam jardins entre as sílabas. Tornava-se sua própria lâmpada de serenidade.
Muito quieta, ruminava cargas de energia das quais não se desvencilhara. Amontoadas e retidas, haviam explodido as ternuras. Ao expelirem as violências o vazio grassara, consumindo até o tédio.
O espanto não mais lhe bastava, queria cumprir a contemplação de outra maneira – tátil, talvez. Como São Tomé andava precisando tocar a realidade, fosse qual fosse.
O chão imundo e a poeira das ruas eram a crueza visual da cidade. Pessoas dormiam nas calçadas em farrapos e a natureza acontecia ao lado, solene e impassível ante a degradação.
Sabia que jamais ofegaria com a tensão da relva sob os pés e sua alma nunca seria fotografada. A terra tem o dom do acolhimento, entretanto. Avançaria e respiraria, sem que a perturbassem o pó da estrada ou as rajadas de vento.
Saiu caminhando, descalça, como há muitos anos não fazia. Fechava-me: eu, um intervalo brusco.

Sonia Regina
04122010


 

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©2010 Sonia Regina