online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa: Canto às mães

Canto às mães

por Sonia Regina

O poema FONTE  II  de Herberto Helder sempre me encantou. E intrigou. É de uma beleza e força inimagináveis. Como as mães. Dedico a eles este canto.



Uma paixão para a vida toda.  Um sentimento suave e arrebatador, terno e apaixonado, toma as mulheres que engravidam. Cresce. Abre-se ao tempo e ao mundo. Estampada em sua face, a plenitude. No olhar das mães, o Amor – sem tradução. Não há palavras ou imagens que o signifiquem. Os gestos somente o indicam. Uma pureza arrebatadora sorri em suas faces, uma inconcebível calma as conduz nos momentos de dificuldade dos filhos.

"No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios."


As mães cedem os corpos, que  agem comandados pelo afeto. E em silêncio elas São.  Unas.

"Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte."


O Amor as acompanha desde as entranhas que abrigaram os filhos.  Torna-as lindas. Com suavidade ou furor, sempre ternamente. O amor das mães é visceral.

"E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva,
em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos."


As mães são criaturas que os filhos geram.

"As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães."


Foram criadas por doação. E para doação. Um colo interminável, um tesouro que atravessa intempéries e oceanos oferecendo-se aos filhos. 

"E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida."


São continente, a certeza do porvir. A segurança no existir.

"E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
a através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nenhuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho."


As mães ensinam do Amor. Sendo-o, garantindo sua existência. Comprovando-a.

"E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor."




Os versos em itálico são de  Herberto Helder, no poema FONTE  II. Em  A Colher na Boca ,  1930
Ler o poema aqui.

 

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©2010 Sonia Regina