Verso, poeta, leitor, poema: o desejar para além das fronteiras
Sonia Regina
Cada verso segue, numa espécie de jogo de esconde-esconde. Como numa ficção íntima cai no papel, folha sem árvore: num simulacro, em metamorfose permanente. Crescendo, brincando, fingindo; passeando, tensa e heroicamente, por diferentes corpos interiores.
O poeta não escreve paradoxos, não descreve fenômenos com uma lógica interna absurda. Mas, intriga. Agrada. E revela, no seu modo de olhar e de estar, que admite a coexistência de opostos. Suavemente, com delicadeza. Através da fabulação, da fascinação, pela concomitante existência do falso e do verdadeiro, pelo que pode ser realisticamente encenado.
Daí se pode fazer o percurso - entre a intimidade e a ficção, entre a onipotência da fantasia e a nossa impotência humana frente ao mundo exterior a nós, à grandeza absoluta do cosmos universal - que nos fará relativizar verdades e nos levará, por vezes, a preferir uma mentira.
Somos mortais frequentemente tentados a nos insurgir contra os limites impostos pela natureza, e precisamos transgredir, ainda que na leitura e na escrita.
Só será leitor aquele que, ao se deparar com o texto, por ele for envolvido numa atmosfera de mistério, seduzido pela possibilidade de um encontro marcado com o autor, ainda que nas páginas do livro.
E o poema tornar-se-á um mundo a ser provado, degustado, procurado, onde se possa querer mais e diferentemente: um desejar - para além das fronteiras.