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Dos guardados na água dos olhos - Sonia Regina

Dos guardados na água dos olhos

Sonia Regina


Como o afeto guardado na água dos olhos, com palavras que se derrotam a poesia continuaria adormecida e não dizendo do infinito.


Todavia, quando acordar da delicadeza tocará o sol. Com uma letra. E ao sabor do vento ousará, sílaba a sílaba. Pois o tempo também passa, para as escrituras. Ultrapassa o espaço e o som dos pássaros. É como olhar o mar e, da janela de onde já não se vêem os barcos, saber que eles lá estão. Talvez mais próximos do horizonte.

Há viagens possíveis e o sonho não acabou. O que gera confusão e assusta é o olhar à procura. À procura do sentido, do seixo rolado. Do tempo. Marcado, enrugado. Vincado pelas imagens embaralhadas nas horas, minutos e dias, guardadas na água dos olhos.

São tantas, as imagens. É a gazela que hiberna, cansada de correr pelas matas atrás de um abraço do vento. É o elogio à loucura que comete poesias. É o que se perde na sagração que enlaça e tece testemunhos, desejos e presenças. É imprimir em cada passo uma expressão das impressões, sem queimar os pés. É ser água sem chão, a despencar em cascatas que anseiam ser rio. É se liquefazer no silêncio dos corpos interiores a celebrar, fraternalmente, o mistério da vida. É ser o ofertório possível na pedra fria. É ser um altar que já não se presta a libações. É descer a escada sem sentir cada degrau. É deixar as plantas penderem desordenadamente, quase sem espaço para o ar que passa rápido rumo ao solo. É soprar o incômodo do cão. É deixar-se espancar por lábios que não beijam.

Imagens que ocupam espaços demarcados e peneiram a dor. E também o ardor. Anestesiam, somente sedam as ilusões - morte que se respira.

Entretanto, com pequenos intervalos de tempo, podem pingar no papel que recebe a palavra. E no borrão de tinta soltar o violento rugido. Um urro visível a sangrar a folha que a escrita lambe, até que cicatrize. Esse brado marca a folha e ganha corpo escrito, dia após dia, noite após noite. Talvez encenadas, mudas, atraíssem a visão que não suporta sons.

Alocadas na memória são fantasmas que assombram, fora dela. São imagens que sempre insistirão em se reeditar, enquanto guardadas na água dos olhos.


 

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©2010 Sonia Regina