online. Grata pela visita e leitura da minha prosa. Sonia Regina. prosa, somente prosa


A história não era de projeção ou sucesso
 
Sonia Regina

 
Amélia chegou indignada, à casa. Foi procurar o que comer.
– Já são 4 horas! Perdi a tarde, droga! Nem almoço, nem oficina. – pensou.
À noite o professor ligou.
- O que houve, Amélia? Por que não foi à oficina? Esperamos por você.
- Desisti, professor. Me desculpa não ter podido avisar antes.
O professor aceitou e nada mais disse. Quantas desistências haviam acontecido... Sabia que sua projeção assustava os jovens acadêmicos, já lhe haviam confessado isso.
*
Estava animada, aquela noite de segunda-feira, 5, na Universidade Columbia, em Nova Iorque. O Pulitzer, a mais importante premiação concedida ao jornalismo norte-americano, havia sido entregue.
O livro de entrevistas com pessoas ligadas a Barack Obama havia sido premiado. Um trabalho revolucionário e pessoal dizia da inventiva da jornalista brasileira que subvertera conceitos e formatos. Surpreendeu tanto ou mais que o trabalho fotográfico de Damon Winter, do New York Times - outro premiado.
O professor-doutor Marcio Mourão observava a autora que ria espalhafatosamente, muito à vontade com a taça de vinho na mão, entre convidados e curiosos.
Olhava-a atentamente. Aquele belo rosto tinha traços conhecidos, mas o nome Amélia Cardoso só lhe dizia da autora de sucesso: o jornalismo e a literatura seguiam muito bem, juntos, conduzidos por suas mãos.
Aproximou-se. Cumprimentou-a, pediu o autógrafo, parabenizou-a.
Ouviu um forte chamado:
 - Márcio! !
Espantou-se ao ver o professor Carlos Cardoso, com quem fizera uma oficina de contos no início da faculdade.
- Professor!! Que prazer revê-lo!
- Ora, você não sabia que iria encontrar-me? Jamais deixaria de estar próximo de Amélia, num dia tão importante pra ela.
- Ah, então conhece Amélia?
- Muito.
Amélia e o professor riem. Por que o riso? A mente de Marcio parecia um computador, localizando um arquivo. Nada...
- Bem, que bom.
- Vamos já sair. Quer ir conosco?
Marcio aceitou. Beberam, comeram, riram. Amélia ria um pouco alto, mas pensou que era seu jeito expansivo.
- Somos casados, Marcio. – disse ela. – E temos uma história linda e surpreendente para contar. Quer ouvir?
Marcio anuiu. Será que a projeção do professor ajudara o sucesso internacional da mulher? Ademais, que escritor não gosta de ouvir uma história? E ele era professor, sempre precisava de um bom exemplo.
Mas não se tratava de nada disso. Uma história antiga, a que Amélia contou.
- Eu fiz dois semestres de Literatura na PUC, antes de passar pro Departamento de Comunicação.
- Ah, deve ser de lá que te conheço. Suas feições me parecem familiares.
- Talvez. Bem, a gente entra na faculdade e logo quer fazer cursos e mais cursos. O mais falado era o do Carlos.
- Sim, eu o fiz. Ótimo, me ajudou muito.
- Cheguei antes da hora marcada para a entrevista. Fiquei esperando. Havia gente na outra sala, que depois vim a saber que era um laboratório onde se realizavam as oficinas: sem móveis, só com algumas almofadas, o som e um quadro-de-giz.
- Sim, lembro bem.
Ouvi uma ou outra coisa. O suficiente pra me fazer sumir dali.
- Ué, por quê?
- Hoje já não sou assim, mas tinha pavio curto e era muito preconceituosa. Não admitia misturas: professor é professor e aluno é aluno.
- ???
- Pois então. Ouvi algo assim:
“fico sem jeito”
“Hummmm. Está suada...”
“Refresca minhas pernas”
- Ora, Amélia, não vai contar isso. - disse Carlos.
- Ela está meio alta, não ligue. – falou para Marcio.
Amélia ria à-toa. Continuou:
- Disseram ainda:
“Hummm. Boommm”
“Espera...”
- Era o Carlos e uma aluna. Fui-me embora e dei uma desculpa, mas nem comecei o curso.
- Professor! – criticou Marcio.
O casal ria. Gargalhava. Marcio, impactado, de nada achava graça. Não era preconceituoso, mas sério e profissional.
- Calma, Marcio. Estamos aqui, juntos: observa.
- É, Márcio. Reencontrei o Carlos anos depois, na Universidade, quando fui chamada para dar um curso para os alunos da graduação. Conversamos...
Marcio não aguentou: 
- Você mudou de idéia quanto ao profissionalismo do professor?
- Pera lá, Marcio. Não me julgue apressadamente, como ela fez. Eu lhe mostrei as fitas do curso – que gravava. Não me lembro bem o que foi dito, mas a história era outra. Claro que só podia ser outra!
Marcio não agüentou:
- Ainda as tem, professor?
- Tenho, disse Carlos sorrindo. – Pode ir lá em casa ouvir.
No dia seguinte Marcio estava cedo na casa de Carlos e Amélia. Ouviu a fita e, com autorização deles, anotou o diálogo, que dizia:

Carlos – Vc gostou desse exercício?
Clara – Tive dificuldades.
Carlos – Quais?
C. - Bem, você é o professor, mas fico sem jeito.
Carlos - Hummmm
Carlos - O que te trouxe aqui?
C. - algo além da companhia, claro.
Carlos -  Certo! Tudo o que menos temos é um social. Isto é trabalho. Difícil e sério.
Carlos  - Então...
Carlos - Quer um suco fresco? Está suada...
C. - Esta almofada é de cetim. Refresca minhas pernas.
Carlos - O teu exercício... Você deixaria eu ver?
C. - Sim.
Carlos - Hummm. Boommm
Carlos – Começo a comentar?
C. - Que horas são?
Carlos - Os outros devem estar chegando.
C. Espera...

* * *

 

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©2010 Sonia Regina